terça-feira, 17 de outubro de 2017

Carta que não se despede

Querido Caio,

Eu preciso te contar que me encontrei nessas pradarias. Impossível me despedir de Montevideo sem deixar uma parte de mim. Parte importante que aqui se instala a espera do meu retorno como criança em porta de escola esperando pela mãe. 

Assim é... Quando teu lugar é tantos encontrar-se numa parte do avizinhada do mundo é deixar-se ficar um pouco, em parte e partir sem olhar para trás e já com desejo de voltar. 

Fica a imaginar quando poderei regressar ao tempo em que sinto que está longe longe daqui a oportunidade. Quem sabe o que o futuro me reserva em minha nova morada. Esta a que me propus uma experiência de permanência. Lograrei? Não sei, nunca sei quando de súbito recolherei as roupas do varal direto para a maleta e montarei a casa nas costas para noutras paragens me instalar com ânimo definitivo enquanto dure. 

A ver, te diria, se me ouvisses agora. Mas não me ouves agora, por que este Caio a quem escrevo não está neste momento. É Caio que vive num futuro distante e distópico, numa Montevideo de muros erguidos, num mundo cheio de fronteiras fechadas em que assumimos máscaras que nos revelam e alguns exibem rostos desnudos em assintoso afronte ao direito sagrado dos demais. 

Sim, a distopia nos flagrará em alguns anos e tu, Caio serás o mensageiro destas notícias agora antecipadas a mim. 

Sei que serei mais feliz quando te encontrar em minhas linhas curtas, numa prévia de um metaverso multiversátil qualquer. 

O encontro será inevitável por tudo o que vivemos cada vez que sonho com Montevideo desde o agora findável ao infinito não vivido ainda. 

Espero você em algum momento daqui para adiante. 

Em algum lugar insuspeito ou momento utópico. 

tua desde já,

Anita Lopes

sábado, 14 de outubro de 2017

Carta das Ausências

Querido Caio,

Ainda estou aqui. Sua ausência a esta altura da viagem é a presença mais constante. Fui tomada pelo inesperado e vou ficar mais dois dias. Montevidéo me acalma. O Uruguai me acalma. Toda a calma e a paz que preciso faz parte daqui.

Ontem fui a Colônia del Sacramento e meus olhos viajaram pelas pradarias por horas imaginando as montanhas, os cumes, os montes e as serras. Não havia. Não há por estas plagas tais paisagens.

Então vi o mar se abrir diante dos meus olhos e entrei numa canoa que me levou ao encontro de minhas urgências, remei por horas ensaiadas e ainda assim você não estava lá. Não somos urgentes e canoas não sobem montanhas dirias. E eu não poderia deixar de concordar contigo.

Tua ausência ficou ainda mais presente. Busquei teus olhos pelas ruas, nas praças, quis saber notícias e pela primeira vez disse sim para as nossas impossibilidades. Elas soam tão sólidas, não sei se foi o frio cortante aqui no Cone Sul ou se a distância temporal. Inevitável. Sigo.

Vento nos cabelos.
Pôr do sol.
Câmera se abrindo em panorâmica imagem das ruas largas, dos muros de pedra, do mar. Meu infinito particular.
Sigo.

E quanto mais teus olhos me buscam, mais faz parte de mim tua presença. Por um instante, a revelia de toda lógica sinto a força do encontro que não se desfaz. Sinto-me inteira. Inteira em mim. Inteira em ti. E sigo. Suave, quase em paz, sigo esse sentido de pertencimento que encontrei nos teus olhos.

Abrigo.

Os pensamentos tomam o céu e sei que por onde for, estarás comigo e cada hora juntos será a eternidade em mim. Sinto que és o que és. Sou quem sou e de nós algo surgiu. Meu mundo é outro depois que me arrisquei nos Canyons e me entreguei a teus picos. Depois que penetrastes meus abismos e mergulhastes nas minhas profundezas.

Sou eu pelos Bulevares de Montevidéo ou pelas calles de Colônia.
És tu nas montanhas, nos montes ou nas serras.
Somos em qualquer parte testemunhas de que existe encontro a despeito de qualquer impossibilidade.

Fica com a força das deusas enquanto me entrego às brumas.

Tua sempre,

Anita






sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Gaspar

Querida Anita,

tu que vives sempre à seguir, saibas que seguirei em busca de ti. Tu que és tantas. Tu que és muitas. Tu que és toda um sem fim de possibilidades e partidas e chegadas e desapegos.  Tu, que apesar de tudo e todos és também um porto seguro aos olhos meus pousados nos teus.

O abraço segue aqui atado e todo o calor energético ainda pulsa aquecendo corpo e alma. Meus braços pareciam  buscar o inalcançável, meu peito aninhou_se confortável junto ao seu. Por segundos, creio, estivemos donde nunca imaginemos outrora.. E saibas, foi tão bom ter contigo ali no "entre_lugar" do insondável do mais sagrado de nós.
Pudesses ouvir a sonoridade de minhas palavras e suspirarias meus suspiros, apenas por lembrar de ti, escorregadia em saudades, em urgências...e eu aqui, teso, rijo à conter tantas urgências.

O homem que não escolhestes, que se refugia no fundo estrelado da canoa, que pererecando brinca em meio as palavras e limoeiros e terreiros, gosta deveras de sentir_se menino nos olhos teus, tão meus...ainda hoje em fantasias estivemos contigo nas paragens montanhosas, após ingrime trilha percorrida, fitamos uma belíssima cachoeira, onde banhava_se sacralmente Oxum, mamãe das águas, da beleza e de ti..foi ela quem convidou a  nos banhar em suas santas e gélidas águas, hoje, logo hoje, que na cidade maravilha purgatório da beleza e do caos o calor beira aos 40º. Sonho!!

Aprecio te_la pelas mãos à passearmos em sonhos de lugares, ainda que fujas e sigas, estaremos sempre atados às paisagens, ainda que improváveis, que os olhos nossos vão tecendo à medida que mais se enxergam. Podes seguir. Podes escapar. Podes olhar de soslaio. Podes nem olhar pra trás, mas não podes mais mudar o que foi, o que fomos. Ainda que caminhes, que plantes, colhas e faças tudo o mais que queiras fazer, algo impõem_se dogmático: "Serei sempre o homem que não escolhestes"!

Deixo_te com o calor do nosso abraço que num sopro aproximou_nos de toda uma divindade!

Seu,

Gaspar

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Resposta a Gaspar

Gaspar...

Som do teu nome reverbera no céu da minha boca. Foi forte o abraço. De súbito me senti inteira em ti. Te senti inteiro ali. Algo novo se fez. A urgência era semente, como inda agora é. Sinto lonjuras de ti e surpreendo-me. Hoje te receber em mim é tatuagem. Logo em mim que não me dou a essas coisas. 

Sinto inda agora a pulsação quente do teu corpo no meu. Meu corpo escorre de saudades, Gaspar. Já? diria o homem que não escolhi. O homem que não escolhi olha distraído do outro lado da mesa. Brinca com as palavras, voa de bicicleta, visita o limoeiro, a cozinha e o terreiro. É homem-menino. 

O homem que não escolhi me leva para a ilha, a navegar em canoa e ver estrelas em letras e imagens. E vai tatuando sua passagem. Marcando minha passagem. Escapo. Sempre escapo, mesmo com todo o calor que deixastes de herança, as montanhas me abrigam do inesperado e do improvável. 

Parto. Sigo meu caminho. Olho para trás de soslaio sonhando ainda a viagem de canoa com direito a banho no mar à noite sem roupa e cozinhado com as mulheres. Parto. Mesmo assim parto e sigo a caminhada sem olhar mais para trás. 

Há muito esperando aqui. Há muito por plantar, muito a colher, muito a fruir nas alturas das montanhas, nas cachoeiras e nos rios. Há caminho a caminhar. Não carece olhar para trás - Anita repete para si. E segue. Segue não apenas apesar das lonjuras, mas também por causa delas. 

Que as deusas te cuidem homem-menino. 

Tua,

Anita

Minha Morada é teu Olhar

Querido amigo,

Hoje, mais que antes, sinto tua presença. Estás comigo nas ruas, nas praças, nas aulas - mesmo nas aulas. Se viro suave a cabeça para a esquerda [ou para a direita] lá estão teus olhos mirando sorridentes.

Sinto falta deles, ainda que estejam aqui, sinto falta dos sorrisos, dos cheiros, do ar cálido de tua respiração na minha nuca. E dos teus olhos penetrando os meus com força e suavidade.

Há uma potência no encontro dos nossos olhos que conduz a minha própria alma.

Isso que resulta do encontro entre eu e tu é absolutamente único. Ainda que haja encontro sempre e com tantas outras pessoas e lugares jamais um encontro será igual. Mesmo que seja entre nós. Cada encontro produz algo único. A cada ponto, a cada lugar, em cada tempo.

Sou a mesma. És o mesmo. Mas o que se dá entre nós é outro. E sou outra a cada vez que te despedes. A cada vez que me despeço. Não poderei voltar a ser quem fora, nem mesmo entre nós.

Há um tempo espaço que se estende e se alarga produzindo imagens holográficas diante de mim. És a cidade que se revela a cada encontro.

Há tanto que se move dentro desde que nos encontramos pela primeira vez. Sem quaisquer expectativas, noto o quanto sou outra. O prazer da solitude agora se acompanha de uma espera agridoce que ilumina os dias como aquele em que nos revelamos em braille sob o sol da tarde.

Abro meus olhos. Teus olhos surgem. Sorrio. Encontrei minha morada em teu olhar.

Sigo.

Tua,

Anita

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Carta de Gaspar

Anita,
querida minha,
Soubesses tu a exatidão do tamanho de minha alegria quando te sei, e virias dia após dia!
Amiga, tantas coisas à compartir contigo... Tantas coisas a mansidão destas paragens marítimas impõe_me. Tenho certeza que este pedacinho de terra perdida na contra_costa do recôncavo refrescaria deveras a alma sua.
Aqui, tudo segue o ritmo da maré. A maré acompanha o vento. A ida do inverno deixa de brinde um nordeste constante que soprará uma brisa suave e fresca  até findar o verão.
Ontem, ademais dos olhos teus,
tu estivestes toda comigo. O cair preguiçoso do sol deu o sinal de que já era hora. Tomamos a canoa. Remo mais  remo e rumamos ao pesqueiro adequado. Devo dizer_te amiga, que apesar da serenidade dos movimentos, o corpo, outrora incólume e jovial, acusou a densidade das águas sagradas do reino de Iemanjá, e, precocemente cansou_se.
Enquanto aguardavamos o cair da noite e a maré estender_se para lançarmos as redes deixei_me escorregar pro fundo da embarcação e notei a "hora nostálgica", a hora nossa, a hora que beira a sacralidade. O nordeste, ininterrupto, banhava em brisa o corpo meu já revigorando_se. O colorido do longínquo horizonte fez_se ponte até as Ramblas onde pisam seu pés. Os olhos meus transpuseram a ponte, transgrediram os limítrofes do tempo e espaço e foram brilhar junto aos seus, aí, aqui, acolá e alhures.
Os pensamentos meus voaram na velocidade do nordeste e conjecturaram um encontro. Também eu intencionei_te aqui. Uma vontade de mostrar a ti pedaço por pedaço desse Arraial de simples gentes. Das artes do sobreviver. Do quão distinta da_se a nostálgica hora aqui nessa quase aldeia..tantas coisas belas e simples. Aqui dentro de mim, onde nem sei bem precisar, algo de ti fala alto. Talvez! E como bem dissestes tu em missiva outra :" Se não vier não saberá "! Talvez!
Desprendemo_nos do pesqueiro e pusemo_nos a soltar as redes, de acordo com a maré. Logo o esperar impôs_se novamente. Entretanto, agora o escurão da noite impunha_se absoluto, e eu deixei_me uma vez mais repousar na proa da embarcação. Ali distrai_me absorto na imensidão infinda de estrelado céu...ali Anita, os olhos meus fizeram_se estrelas junto aos seus. Uma estrela risca o céu, e na medida mesma, percebo que o pescador que adentrou no mar com o sol já à recolher_se não será mais o mesmo ao recolher a rede noturna. O nordeste constante não deixa nada nem ninguém igual, ainda que sejamos os mesmos.
Amiga, o tempo aqui transcorre macio nas costas das palmas, o dendezeiro , decerto abundaria mais aos olhos seus. O verde da mata atlântica far_se_i_a mais verdejante nas águas se os pés seus, cansados das Ramblas deixassem_se descansar, descalços, aqui. A propósito, em meio as lembranças das tardes de agosto, da sala sua e do tapete, relembro do pé delicado fugidio em minhas mãos... Ali o café colombiano ainda não tinha ido nem pro fogo.
Espero ansioso por uma tarde onde os olhos nossos possam pousar suaves, uns sobre outros. E que essa tarde sopre ao menos um tantinho da brisa do "nordeste" e da beira rio que as Ramblas levaram_te, de modo que, os nossos corpos suados e exaustos refresquem_se e desejem_se mais e mais!
As lembranças todas de ti deixam_me feliz!
Que as palavras nossas, quando necessário, sejam olhos, bocas, línguas, mãos, braços e abraços!
Afetuosamente,
Teu Gaspar.

Carta Sobre Ontem

Querida amiga,

Acordei. Acordei com o corpo desperto, vontade de sentir o vento [frio] de Montevidéu passar por mim. Corrida leve na Rambla. Não hesito. Num salto, logo sigo em direção a Bulervard España. Novos caminhos, nas mesmas ruas.

Meus passos logo tomam o ritmo de uma caminhada em direção ao amor [ainda que não saiba o que é amor]. A cada passo a curiosidade lê a vida matutina da cidade. Os olhos se iluminam de novidades, de ruas, de esquinas, de casas, de parques e de pequenos segredos insuspeitos.

Pouco a pouco uma pontinha de mar se revela às retinas. Um sorriso se coloca. Sinto música preenchendo os vazios. Não é uma caminhada qualquer.

Pouco a pouco percebo que na maturidade o amor se revela aos poucos. Passaram as noites de encantamento. Os jantares en la ciudad Vieja. O gramacho naquele pub de subsolo com gosto de tradição. A sedução do primeiro encontro. Ficou a curiosidade pelas pequenas imperfeições, as irregularidades de caráter,  as falhas. Restou o desejo pelo amor real que se constitui pelo olhar atento a tudo o que faz parte.

Imagino onde se escondem suas sombras enquanto as palmeiras contrastam com o imenso céu azul desta manhã fresca, quase fria.

Um peixaria rude se apresenta ao olhar atento e a quem conhece a cidade dois ou três degraus abaixo do calçadão da Rambla. Fotografo. Vejo a cidade um pouco além de sua bela arquitetura e seu urbanismo de escalas largas.

Sigo. [sempre sigo]. Miro à direita e vejo Bulevard General Artigas ampla. Arrisco-me a encarar o percurso. Ora caminho, ora corro e assim percorro minha história ao atravessar a principal avenida da cidade.

Nem sempre é fácil e em dado momento sinto-me perdida. Há um homem que dorme sob o viaduto centenário. Sei onde estou, sei aonde essa alameda conduz. A história ensina. Sigo. A história também faz parte. E ainda que não a entenda realmente, impossível não estar de acordo com o fato de que foi assim que aconteceu. É assim a cada passo. Um homem dorme sob um viaduto. A população negra é de 7% e pouco os vemos nas ruas. Sim, é assim. Os povos originários foram dizimados completamente. Sim, é assim.

Agora vejo e tudo faz parte da cidade. Montevidéu vai deixando aos poucos de ser uma idealização romântica de perfeição para tornar-me madura. Vejo beleza e verdade na calma e nos olhos profundos de sua gente. Gentileza nasceu aqui.

Deixo-te agora, querida amiga, com meu amor pulsante e vivo. Deixo-te sem véus românticos e sigo.

Anita


sábado, 7 de outubro de 2017

Carta da Chegada

Querido amigo,

Estava de partida para Montevidéu e a mera expectativa de voltar me deslocara os sentidos. Senti-me preenchida e ao mesmo tempo agitada. Não poderia supor o que me esperava na cidade que mais gosto da América do Sul [tampouco sei agora]. É como se fosse a primeira vez.

É a primeira vez desde muito tempo. É a primeira vez sendo quem sou agora. É a primeira vez sendo outra. Um sorriso se ocupa do rosto enquanto vejo a Rambla desvela a cidade diante de mim.

De súbito me dou conta de que nunca estive aqui com Caio Marques [não sei porque ele veio agora]. Talvez porque sempre quis partilhar esse lugar com ele. Gosto de compartilhar meus lugares especiais com quem amo.

Surpreendo-me ao perceber que o amei. Quase preciso dizer pela primeira vez, em voz alta que o amei. Hoje soa ainda mais estranho do que quando aconteceu nosso encontro espalhado em sete cidades.

A cidade de ruas largas e imenso céu azul clama minha atenção, entrego-me à ela completamente. E a percebo como nunca antes: Uma cidade sem montanhas, morros, serros ou montes. Uma cidade plana, aberta. Cidade livre de muros. Sinto o vento tocar suave meu rosto pela ventana del auto. Libre.

A carícia suave me transporta para a primeira vez. Foi amor, não tenho dúvidas. Ela não se esforçou nada para ganhar minha atenção. Era madrugada de inverno. Estava, como agora, no táxi. Com olhos curiosos pelo primeiro encontro. Senti o ombros se abrirem, os olhos acenderem diante da beleza da beira rio iluminando a noite.

O charme anos cinquenta da cidade me tomou completamente. Senti-me parte desde esse momento. Era como se a conhecesse por toda a vida.

Em Montevidéu sinto-me em casa a cada lembrança, mesmo que hoje seja outra. A outra que sou quer desvendar as novas sensações de suas sentimentalidades ocultas, de seus subsolos e das curvas suaves como o som da voz das pessoas, de cada uma das pessoas com quem me encontro aqui. Quero sentir a outra Montevidéu diante de mim.

Tenho a curiosidade infantil por olhar nos olhos e sentir completamente desde os aromas até os sabores e texturas neste princípio de primavera por aqui. Quero dançar com a cidade, para a cidade, na cidade, nas praças, nas ruas, por todo lado.

Como se fosse a primeira vez, caio de amores por esta cidade que poderia ser minha para sempre. Desabrocho para ela como ela se abre para mim, plena de luz, cor e sorrisos fartos. E vejo traindo minha natureza ao entregar meu amor antes ao lugar que às pessoas. Aqui pessoas e cidade se fundem e se confundem numa delicadeza simples e doce.

Talvez quisesse trazê-lo aqui, querido amigo. Talvez quisera que viestes por teus próprios pés. Talvez tu nunca pudesse entender meu amor por esse lugar, talvez... Tu que amas as montanhas, sequer possa imaginar o que é enamorar-se das pradarias. Só talvez.
foto: Júlia Tourinho

Não há como saber se não viver.



Por um instante, se abre a Rambla com seu imenso céu azul de fundo. O mesmo azul reluziu em teus olhos diante dos meus no tapete da sala naquela tarde de agosto. Fico com teus olhos me fitando fixos e isso compõe a paisagem que suave me convida à entrega. Sinto-me plena.







Deixo-te agora, para viver e fluir o reencontro de um grande amor.

Que os ventos frescos das montanhas te envolvam com ternura e afeto como pernas ao redor do corpo quente;

Que a brisa fria de primavera desta parte do mundo me acolha em seus braços enquanto o sol aquece o frio que levanta os pelos dos meus braços sem teus abraços.

Que nos encontremos breve e possamos juntos partilhar do Amor que nos nutre nos lugares para onde vamos em dias de encontro com nossas almas puras. Sem apegos, com afetos.

Tua,

Anita




quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Carta sobre o Amor

Querido Caio,

Bem sabes como sou. Cá estou às voltas com mais uma mudança. Desta vez, deixei tudo para trás. Não há vida embalada em 60 volumes, não há um único bem durável, restaram apenas roupas e livros, alguns objetos devocionais, memórias e afetos. Sigo a vida leve que sempre desejei. Concluo a volta do parafuso. Novo ciclo se inicia. Nova cidade, novos amigos, nova profissão. Tudo novo [de novo!]. Sigo o fluxo.

Quando aqui cheguei, na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, há mais de ano e dia, me perguntaram: É definitivo? Definitivo sempre foi um conceito desafiador para mim. Respondi: Sim! É definitivo enquanto durar. Durou bastante, o suficiente para criar vínculos especiais, constituir memórias importantes e grandes aprendizados, por menores que fossem. Sigo.

Descobri agora, querido amigo, que meus vínculos se dão com pessoas, não com lugares. Os lugares me trazem memórias, boas memórias de encontros, desencontros, aprendizados. Sigo o caminho. A imagem é a da mulher com sua mochila nas costas, caminhando numa estrada sem fim. Há uma trilha sonora [sempre há] para cada parte do percurso. Sigo.

Definitivamente durará o tempo que for necessário e suficiente para viver meus vínculos nas montanhas. Tempo suficiente para ser feliz para sempre. Nasci para a felicidade.  Quanto é suficiente? Não sei responder. E não sei por que minhas relações com pessoas são para sempre, sem limite de tempo. Meus vínculos são constituídos desde a gênese com tal profundidade e entrega que nem ausência, nem distância são capazes de dissolver. E se dissolvem, é que não eram o que pensara que fosse. Sinto especial apreço por meus afetos. Não tenho apego. E disso se faz o que chamo Amor.

Amor é um rio que flui. Ele tem margens que lhe dão continente, mas não tem barreiras que lhe impeçam o fluxo. O Amor, querido amigo, é livre. Se não é livre, já não pode ser Amor.





E as barragens, me perguntarás? Observe-as. Elas são estruturas artificiais cuja função é reter a água [o fluxo?]. Elas contém o fluxo das águas. Elas contém a força das águas. Elas contém! Vez ou outra, no entanto, enchem tanto que precisam sangrar, sob pena de causar estragos por todos os lados. E por que? Porque não é natural refrear o fluxo do rio, da vida, do Amor. Por isso, sigo!

Sigo o fluxo da vida. O movimento. O Amor. Sigo.

Você vem?

Tua,

Anita