segunda-feira, 2 de abril de 2018

A gramática, os silêncios e os sons

Querido Caio,

Como sabes, não sou mulher de me submeter nem à gramática, nem a cousa alguma. Ainda mais ela, que teima em encaixotar as expressões, muitas vezes, reconheço, em nome da clareza [luz?], outras por puro fetiche.

O que é a gramática afinal senão um conjunto de normas erga omnes [escuridão?] Só de ser contra todos já não me apetece. Não somos iguais! Temos saberes diversos, entendimentos distintos, referenciais inimagináveis. Como submeter a um conjunto de normas que não comporta a beleza e a pureza da língua viva, a liberdade de transitar ou não?

Fico me perguntando de cá sobre esse trânsito. Transita de cá, transita de lá... Às vezes sou intransitiva, mesmo que a gramática não me autorize. Mesmo que o mundo me critique por isso. Às vezes transito onde não devo e para onde não posso. Faço e assim desloco e coloco luz  em um corpo que teima em ser livre, sem dicotomias.

Transitar é permitir-se ser a tal metamorfose ambulante. Não transitar é prescindir. De certas coisas prescindo.
Assim, luz e escuridão vão dando lugar a um movimento que nem é um, nem é outro. Mas que pode ser ambos, ao mesmo tempo, sem constrangimentos. Ainda que não veja, a luz oculta a escuridão.

Ou pode ser ainda, mera ignorância. E como é bom ignorar para estar aberto a ver na escuridão quando somos tão cegos em meio à abundância de luz que ora nos invade. Muita luz cega. A vastidão de informação não gera conhecimento. Ao contrário, amplia os abismos da [des]informação. A abundância é um poço sem fundo, às vezes vazio. Cuidado!

Insisto que o melhor é não saber. Não sabendo se é dia ou noite, o cego transita aspirando os odores do mundo, tateando corpos e coisas, apurando o ouvido para silêncios e sons. E cá estamos nós de novo nas dicotomias ou - diria eu - nas complementaridades.

Sei lá se entendi o que dissestes. Sei apenas que não me submeto, mas o faço sorrindo. Aprendi a ralhar sorrindo, a chorar sorrindo, a acolher seja na luz, seja na escuridão tudo o que vier como o mais perfeito presente. Ainda que isso me custe silêncio ou palavras. Eu pago o preço.

E sobre silêncios... Calo para ouvir seus sons atentamente.

E ainda assim, não me submeto.

Sua sempre,

Anita