quinta-feira, 8 de março de 2018

Faz tempo...

Querido Caio,

...faz tempo. faz tempo que faço e no feitio do tempo - em retribuição - ele me faz [ou será o contrário?].

E minha língua empena, tal como a sua. ou empena diferente? é a língua ou a linguagem que dá nó nas minhas idéias? as idéias nasceram enroladas de pai e mãe mesmo? ou foram se emaranhando no caminho?

não sei... e juro que a felicidade me pega pela mão quando percebo que não sei. a felicidade simples de saber que não sei e que essa ignorância me faz disposta a tudo. aos afetos e ao que afeta. Lígia Pappi me afeta. suas lacunas preenchidas de escuridão, suas pontes tecidas em fios dourados, arco-íris amarelos sem começo e sem fim. marcas fixas no chão sem destino. túneis sobrepostos em sombra e luz. passagens secretas para um mundo idílico: jogo de esconde esconde. sutil. como traduzir seu jogo em palavras? a língua se enrola ou me enrolo nela. sabendo e não sabendo ao mesmo tempo. vou seguindo e vou tropeçando nos tempos e nas palavras. palavras. tantas palavras. tantas línguas. erros?

percebo que não há erro quando o entendimento se dá entre duas línguas. [há?]

ainda não sei. e mais uma vez sorrio e celebro a ignorância de tudo. como é bom não saber e me expor à arte, aos jardins, aos cheiros, aos gostos, à vida e, claro, à língua estrangeira que me atravessa há mais de trinta dias. todos os dias. todas as horas do dia, mesmo aquelas mais fugidias da madrugada, entre sussurros e afagos.

e as palavras? amigas inseparáveis, pontes que me conduzem da luz para a escuridão com passagem de ida e volta. ah, as palavras... elas me faltam tanto e não fazem falta agora que fui atravessada por tantas línguas quanto conheço e mesmo por mais tantas que desconheço. dia e noite. noite e dia.

faltam palavras e línguas para expressar o que me atravessa a vida a esta altura, Caio, querido. encontrei a ponte para o sempre e ela me leva e traz todos os dias sem cobrar pedágio ou passagem. estou simplesmente feliz, já que perguntou.

Agradeço as palavras ofertadas quase com devoção. Agradeço a experiência de tê-lo do lado de lá da esperança. Agradeço.

Sua sempre,

Anita

P.S. Ver Lígia Pappi  ilumina a alma mesmo na escuridão.