segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Carta em dia de Chuva

Caio A, querido! É que sou tantas que nem mesmo eu sei exatamente quem sou. Enquanto te escrevo minha alma chove. E chove tanto e tão forte que chega a transbordar pelas janelas e deslizar pelo rosto. Talvez você perguntasse por que minha alma chora, e eu sequer saberia responder. 

Talvez seja a chuva nas vidraças, talvez o vento frio, mesmo o céu nublado. Mas pode ser nada disso, quem poderá saber? Há em mim esse sentimento [ainda sem nome] que me contém, embora não me defina. Há esse sonhar contraditório que embaralha as linhas e os traços no mapa e desloca os sonhos ora para cá, ora para lá. 

Há esse desejo de pegar o mundo com as mãos e fazer amor com ele, abraçar todas as possibilidades, realizar tanto, dar piruetas no ar e mergulhar fundo, num mar azul e esmeralda. E me pergunto se já não tenho feito isso. Quando olho para trás e vejo as tênues pegadas que deixei, só eu sei os caminhos por onde passei. Meu nome jamais estará inscrito na história, mas conheço meu papel, sei as linhas que escrevi e as estradas que percorri. Conheço cada estrutura proposta, cada ponte construída, cada realização [e isso me basta]. Mas será suficiente?

Meus pés frios ora se encolhem sob a cadeira, enquanto escrevo essas linhas para ti. Vi o livro que Maria Cláudia enviou a Alberto. Li as primeiras páginas, percorri as cartas e quase pude vê-lo nelas. Senti um arrepio  percorrer a espinha. Éramos ali - tu e eu - nas linhas de Caio [Fernando Abreu] para Amanda [Costa]. Embora tenha ficado fascinada, afastei-me daquelas letras. Por um instante senti-me desnuda diante do espelho. Alma revelada [lá vem ela novamente!]

Talvez as cartas tenham um sentido de exercitar a espera. Talvez seja uma forma de falar sem ser interrompida ou de por alguma ordem nos sentimentos caóticos. Mas talvez [sempre ele] seja um modo de tocar essa dor oculta [mencionada por ti] com a ponta dos dedos e fazer vê-la por detrás dos véus da escrita poética e insistentemente metafórica.

Sim, a dor... que dizer da dor. Melhor nem dizer por que a chuva lá fora parou e a alma começa a enxugar-se.

Beijos [sempre no plural]

Anita

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Carta a Caio A. - O Sentir e o Não Sentir

Querido Caio A.

Tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo. Minha vida, como de hábito, é regida pelo balanço do mar. Ondas que vem e que vão. Ondas que arrastam até me por de joelhos, ondas que passam, ondas em que flutuo, deixando [me] levar.

[minha garganta arde em fogo enquanto te escrevo]. Coisas não expressadas,dirias tu. Pode ser, diria eu. Fato é que não consigo expressar. Às vezes o silêncio tem tons e tonalidades e é tão claro que nos cega [não fui eu quem escreveu, foi M.]. Neste caso o silêncio é claríssimo, mas não enxergo. E como não vejo, não falo e se não falo fica aquilo preso na garganta esquentando, queimando, querendo sair. Mas o quê?! - diria eu.

Sinto-me... Vulnerável.

Sem lugar, sem lar... Mas não é tristeza, é quase nostalgia, mas nostalgia não é. 

...Há em mim esse sentimento sem nome, sem CEP, sem nada. Sentimento de ser amada [voz passiva?]. Ora arrasta uma ponta de medo, ora põe sorrisos tortos no meu rosto. Faz olhar pela janela em dia de chuva e sentir que as gotas que escorrem pela vidraça, escorrem em mim. É sentimento de interrogação [que faço com isso - que há para fazer]. É preciso fazer ou o melhor é fazer nada? 

Há uma canção que diz 'saber amar, é saber deixar alguém te amar'. É preciso ser inteira e dizer sem máscaras: 'Lamento, nunca soube e não sei [ainda,eu acho]. Vulnerabilidade, pode ser a palavra que busco para designar o tal sentimento anônimo que habita o peito, as pernas, o estômago, o corpo [afinal, sempre ele].  Saber amar: Work in process. Será? 

Deixo-te agora, com o vento soprando frio em mim, as gotas de chuva escorrendo no avesso de mim, atrás do que está por trás de todo sentimento [não sentimento].

Sua,

Anita.