quinta-feira, 20 de setembro de 2012

A Mulher Invisível

Querido Caio X,

Vou retomando nossas letras espalhadas pelo caminho, enquanto lembro tua viagem no tempo para tratar a forma. A forma como se deve escrever uma carta. A forma como nos ensinam por volta dos dez anos [não só] a escrever uma carta. As formas, os modelos, os moldes com que nos moldam. E assim, começo a carta por dizer-te que demoras a responder minhas cartas e eu, talvez por carência, talvez por ansiedade fico ainda à beira do portão esperando resposta. E revelar-me assim contradiz os moldes [e os modos]. 

Mas a menina comportada e obediente cresce. Descomporto-me com o tempo. A cada dia vou deixando na estrada as cascas quebradas, as partes que não me cabem mais. Ainda assim às vezes volto uns passos em busca da velha proteção daquele escudo frágil. Nesses momentos um silêncio profundo toma conta de mim e a boca se enche de um vazio intenso. Sinto-me preenchida pela fina membrana de uma bolha, que num crescendo toma conta de tudo. Sinto-me só olhos e boca. Boca cerrada, olhos abertos num susto.

A vida me espanta. Quando penso que nada mais me surpreenderá, vem novamente o susto. Vejo a vida como se fosse a primeira vez e a dureza das pessoas me desmonta. Onde foi parar a gentileza? Em que lugar esconderam as pequenas delicadezas do cotidiano? As palavras vem como tromba d'água, abrindo à força outros caminhos. Para quê tal violência? A boca se fecha. Os olhos se arregalam... E calam.

Sigo adiante com esse silêncio preso na garganta. E escrevo. Escrevo o que sinto, por que não sei escrever o que penso. O que penso até falo, mas o que sinto... O que sinto, eu calo. 

E aqui fico, deixo-te cheia de saudade da tua presença física, do teu riso e de nossos afetos compartilhados. 

Tua sempre,

Anita.