segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Frágil

Querido Alberto,

Há dias ensaio te escrever. Desde que a Rumpilezzz tocou meu coração num domingo que tinha tudo para ser triste e terminou transbordando sorrisos em ótima companhia. Desde então uma sucessão de acontecimentos algo mágicos vem rondando minhas horas.

Ando tão sensível que à flor da pele não consegue expressar minhas delicadezas. Hoje estive a lavar a alma. Assisti 'E se vivêssemos todos juntos', numa vespertina que peguei atrasada. Não importa, estava disposta a encarar os olhos da velhice, suas alegrias e mazelas. Chorei rios, meu caro amigo. Chorei de alegria, chorei de tristeza, chorei pelos sonhos deixados no caminho, pelos erros cometidos, por tudo quanto não me arrependo. Chorei, por fim, pelo que vivo hoje e que amanhã não terá qualquer importância.

Saímos do cinema com as costelas algo doloridas, olhos e nariz vermelhos e aquela sensação que me acomete quando choro, quase febril. Mas a tarde ainda não havia acabado. Ao contrário, minha hora predileta acontecia no instante em que saí do cinema em direção a casa. Tarde caindo, melancolia... Desejo de braços e abraços aconchegantes.

Decidi também ir ao teatro, e ir ao teatro foi uma viagem de volta para talvez um futuro.  O espetáculo 'Frágil' me emocionou desde a concepção do cenário e à medida que o texto avançava mais meu corpo reagia às montanhas e vales que o coração percorria. Estava em cena. Era parte da cena, mas não estava no foco da ação dramática. E mesmo sem estar no foco ela acontecia dentro de mim a cada síntese. Estive lá. E o espetáculo que era interativo me presenteou com o melhor que alguém que abandonou os palcos há mais de 20 anos poderia querer. Fui chamada a ação dramática [a proposta era interativa]. Serena ocupei meu lugar na marcação, primeiro silenciosamente, tentando entender qual meu papel naquele drama [tão meu]. Aos poucos me sentia mais confortável e logo, em improviso, dialogava com a personagem. O público riu e se emocionou, para pouco depois dar-se conta de que talvez não fosse improviso [ser ou não ser, eis a questão]. Mesmo eu que sabia que nada havia de previamente estabelecido, com o avançar das falas [depois de minha saída da ação dramática] percebi quão sincrônico havia sido o texto que expressei em rasgado improviso com a personagem. Senti-me plena. Minhas mãos não tremeram, minha voz não embargara. Estivera, Alberto, em cena e foi como voltar para casa depois de décadas sem dar notícias.

A semana foi intensa, aulas de dança contemporânea, participação no espetáculo, dois contos finalizados, duas gravuras e uma terceira em fase de conclusão, um poema, dois poemas, um sarau agendado... sou eu, voltando para mim. sem planos ou sonhos. sou eu, sendo. Anita anda ansiosa por notícias tuas. Aguarda o momento de sair das telas e dos monitores para as páginas impressas de seu próprio lar.

Deixo-te agora, meu querido amigo com os olhos ainda avermelhados, com o corpo algo febril [a febre me acomete todas as vezes que choro esse choro sentido e profundo].

Forte abraço da sempre tua,

Maria


quinta-feira, 20 de setembro de 2012

A Mulher Invisível

Querido Caio X,

Vou retomando nossas letras espalhadas pelo caminho, enquanto lembro tua viagem no tempo para tratar a forma. A forma como se deve escrever uma carta. A forma como nos ensinam por volta dos dez anos [não só] a escrever uma carta. As formas, os modelos, os moldes com que nos moldam. E assim, começo a carta por dizer-te que demoras a responder minhas cartas e eu, talvez por carência, talvez por ansiedade fico ainda à beira do portão esperando resposta. E revelar-me assim contradiz os moldes [e os modos]. 

Mas a menina comportada e obediente cresce. Descomporto-me com o tempo. A cada dia vou deixando na estrada as cascas quebradas, as partes que não me cabem mais. Ainda assim às vezes volto uns passos em busca da velha proteção daquele escudo frágil. Nesses momentos um silêncio profundo toma conta de mim e a boca se enche de um vazio intenso. Sinto-me preenchida pela fina membrana de uma bolha, que num crescendo toma conta de tudo. Sinto-me só olhos e boca. Boca cerrada, olhos abertos num susto.

A vida me espanta. Quando penso que nada mais me surpreenderá, vem novamente o susto. Vejo a vida como se fosse a primeira vez e a dureza das pessoas me desmonta. Onde foi parar a gentileza? Em que lugar esconderam as pequenas delicadezas do cotidiano? As palavras vem como tromba d'água, abrindo à força outros caminhos. Para quê tal violência? A boca se fecha. Os olhos se arregalam... E calam.

Sigo adiante com esse silêncio preso na garganta. E escrevo. Escrevo o que sinto, por que não sei escrever o que penso. O que penso até falo, mas o que sinto... O que sinto, eu calo. 

E aqui fico, deixo-te cheia de saudade da tua presença física, do teu riso e de nossos afetos compartilhados. 

Tua sempre,

Anita.

quinta-feira, 31 de maio de 2012

As Brumas 'em' Avalon

Caio,

Suas cartas transbordam meus sentimentos. Sinto uma rufo de ar fresco e suave envolvendo-me e, num passe de mágica, a agitação se vai. Reecontro-me em tuas linhas. Mesmo essas linhas desalinhadas em que expressas o teu ser-ou-não-ser [ou será?]. Sendo ou não, lê-lo enche-me de entusiasmo. Sinto-me como criança que acaba de receber presente pelo correio. Rasgo o papel afoita, o corpo pulsa tão intensamente que locomovo-me aos pulinhos; saltitante rio e balanço as mãos agitada. É carta! É carta!

Sei que para ti esse tema do Luizir é recorrente. Li e reli essa história tantas vezes e, percebo que voltas a ela sempre que te sentes inquieto ou quando algo que gostarias muito que acontecesse não se realiza. Tua resposta às frustrações afetivas? Não sei, não poderia saber mesmo do alto dessa arrogância que me acomete vira-e-mexe. Mas sei que tive meu Luizir. Tive esse porto seguro para o qual corria nos momentos de desalinhado desalinho.

Era lá, para o colo daquele que chamarei Pietro, que corria. Deitava a cabeça e era acolhida enquanto as lágrimas rolavam. Embalava-me a mesma velha trilha sonora do R.E.M. Era meu Avalon ... Ia. Ia para os braços do amor não vivido. Ia [ou voltava] em busca do confortável ideal romântico da terra mágica onde seres míticos atualizavam. E nos braços longos me deixava repousar. Ele vivia em mim [Avalon vivia em mim], assim como por todos esses anos viveu em mim Pietro, o homem que abri mão, o homem que não pude assumir [será que ele algum dia quis que eu assumisse?].

Nunca permiti ouvir o que ele tinha a dizer, afinal, eu fora a responsável pelo amor não realizado ao escolher outro caminho num rompante impulsivo-dramático. Numa saída de efeito melodramática [e caótica]. E [sobre]vivi as últimas décadas lamentando e me apoiando nas memórias da estrada que não tomei. Algo Walt Whitman estava em mim, sempre e sempre a percorrer o caminho não escolhido em meio às Brumas...

O mais curioso, Caio, é que recentemente tive a oportunidade de numa dessas fugas temporais encontrar Pietro em carne-osso-músculos-unhas. Pietro estava mais velho, mas continuava lindo como em minha memória tão vívida. Pietro, recém divorciado, estava ali, bem diante de mim. E nos [re]encontramos. E nos vimos e [re]vimos: Nos olhamos! E saímos e rimos e quase choramos mais de uma vez.

Para numa noite qualquer revelar[se]: Pietro real, com mazelas e limitações tão humanas. Finalmente depois de duas décadas pude enxergá-lo, descer os lençóis idílicos que cobriam o ser que ele é. Ele é. Libertei-me das fugas para Avalon. Libertei-me do porto seguro, abandonei do passado para me entregar ao presente [presente].

As frustrações continuam vindo, nem menos, nem mais. E continuo a buscar o acolhimento, as mãos que segurarão as minhas, enquanto estas reciprocamente acolherão. Persisto no sonho, mas não me conjugo mais no passado, e, embora deseje, não me conjugo no futuro, nem no subjuntivo. No presente transbordo com tuas novas, com o frescor das tuas letras e isso é tudo [e suficiente]. E Pietro? Foi viver sua vida vivida.

Deixo-te agora em teu presente, sigo meu presente...rumo a nosso futuro,

Tua sempre,

Anita





Alberto Tibaji: Querida Anita

Alberto Tibaji: Querida Anita: Espero que esta te encontre bem de saúde. Assim, caso eu tivesse agora meus dez anos de idade, eu iniciaria esta carta. Perguntaria ...

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Cabo Frio

Alberto,

Hoje estou tão triste... Às vezes chego a pensar que Caio Fernado Abreu é meu alter ego [santa arrogância!]. Mas vê lá se não é, Alberto, você que me conhece e que sabe da história de Cabo Frio, olha esse fragmento dele se não sou eu:

'Eu quis tanto ser a tua paz, quis tanto que você fosse o meu encontro. Quis tanto dar, tanto receber. Quis precisar, sem exigências. E sem solicitações, aceitar o que me era dado. Sem ir além, compreende? Não queria pedir mais do que você tinha, assim como eu não daria mais do que dispunha, por limitação humana. Mas o que tinha, era seu.'

... E não foi. E quer saber, por que há sempre quem queira mais do que você pode ofertar e não se contenta e não se 'submete' e se ofende se não for no tempo e na hora que quer as coisas, como se fora o umbigo do mundo.  Como se o mundo fosse guiado por controle remoto e tudo girasse em torno dos planos feitos.

Perplexidade me causa essa a falta de capacidade de lidar com a frustração que parece epidemia nesse mundo pós-moderno. O mundo gira, gira o mundo. Às vezes  planos não acontecem como foram feitos [frequentemente, eu diria, sem medo de errar]. E que mal há nisso, não é Alberto? [não me conformo: estou inconformada]. Tantas coisas acontecem. Somos tantas e tantos.

A reação me causou de tal modo que me senti socada no estômago. Só pode ter algo de errado nisso. Senti-me agredida, sabes? Mesmo, muito agredida com aquela fala que virava as costas sem conversar. Lembrei-me de imediato da minha primeira experiência com um homem. Não! Não quero isso. Sinto muito. Essa roupa não me serve.

Virei as costas [arrasada] com o equívoco a tamborilar as temporas. E o final de semana que prometia ser mágico, virou esse soco no oco. Solto o ar numa baforada longa e generosa comigo mesma. Cansaço. Quanto mais eu rezo, Alberto, querido, mais assombração me aparece. E quando penso que encontrei alguém com alguma maturidade emocional... Puff...

Não me leve à mal, perdoe-me esse desabafo inominável. Mas, sabes como sou, pura paixão, pura emoção em estado bruto.

Deixo-te com um afetuoso abraço e um olhar daqueles que pede um colo, um chocolate quente para aquecer o corpo [e a alma].

Tua sempre,

Anita.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Carta a Alberto

Querido Alberto [ou serás Caio X?},

Sinto-me transbordar. Tanto tempo sem essa sensação. O tempo voa e em suas asas planas equilibram-se histórias de um passado remoto, que teimam em ressurgir. Em vão. Meu momento é agora... e nesse tempo transbordo.

Sou toda emoção desde alguns dias quando num tropeço encontrei [me]. Sim, em meio à multidão encontrei [me]. Foi rápido e fugidio o encontro. Foi mesmo surpreendente e pareceu passageiro. Mas não foi. Algo de mim ficou, algo veio comigo para casa - refúgio das minhas sentimentalidades escondidas - e guardou-se tentando adivinhar o devir.

Veio comigo e assim foi. E é [mas o que seria?]. Juro que não saberei nomear, mas sei sentir e sinto. São sensações contraditórias e o corpo é o mensageiro delas. Calor e frio se alternam no tempo/espaço desse devir [ou seria o contrário]. Há um impulso e o pulso. Sim, o pulso pulsa esses sentidos sem nome, sem respostas e sem perguntas.

E vive a incerta certeza de ir aos poucos se entregando ao transbordar. As certezas [há certezas!] estão ali, expostas como veias abertas e eu olho fixamente para elas. Não há respostas possíveis, nem questões prováveis. Não há margem para perguntas, sequer chego a ter dúvidas. Então, apenas olho. E dou-me conta que a criança de cinco anos às voltas com suas infindáveis indagações, aquietou-se.  E seu silêncio dá espaço para o sentir simplesmente. E sinto. E no sentir uma menina travessa faz estrelinhas no corredor infinito, conclui de pé o exercício, bochechas rosadas: suada, feliz e de pé.

A mulher que gosta de balanço a tudo observa e sorri seu sorriso sereno. Tudo parece estar onde está. E assim é, querido Alberto. E assim tem sido dias passados. E de ti, que podes dizer?

Sua [sempre]

Anita

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Resposta ao Desconhecido I


A semente guardada [no peito] já definhava quando tuas perguntas silenciosas  surgiram diante de mim e... Nem queira saber.

A verdade é que chegaram feito vendaval, deslocando todas as certezas absolutas, deixando um rastro de dúvidas, um caminho marcado de incertezas mudas.

Ainda assim, sabe-se lá o porquê, plantou-se um sorriso no canto da boca e estrelas vieram morar em meus olhos [aqueles mesmos que te revelaram tanto]. Sorrateiras, iluminaram os cantos escuros, desvendando sonhos que não sabia ter.

Há um vento frio percorrendo todo o corpo, vindo não sei bem de onde, indo em direção à boca [do estômago]. Há um arrepio incerto nesses sentimentos tortos. Prosa ou poesia? E as interrogações dão crias e a imaginação voa alto [e fundo], fazendo piruetas no (m)ar.

E eu, que por tanto tempo esperei o inesperado, ouço tua voz nas letras lidas e nem sei tua sonoridade. Mas não importa. Aí há quem escreva cartas, aqui também.

A.L.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Derradeira Máscara

Caiu a última máscara, Caio Marques.

A atitude mesquinha e pequena por fim revelou o tamanho desprezível do caráter que se ocultava por detrás de teu gigante [ego]. Não me supreende, mas nem por isso deixa de chocar-me.

Saio do encontro em que me foi revelada sua vilania com um sorriso no rosto. Não chego a compreendê-lo [o sorriso] mas não posso deixar de sorrir. Seria pela tranquilidade de já não estar mais compartilhando a vida contigo? Talvez.

Seria pela certeza de ver revelada a natureza por mim descoberta? Pode ser. Quem sabe o sorriso mostre apenas a satisfação íntima por vê-lo se dando ao trabalho de mandar recados. [já havia recebido seus recados], esperando por respostas.

Bem, se é resposta que quer: Ei-la!

O que não me faz falta não é importante.

Sigo adiante, sem olhar para trás. Nada há atrás que me interesse.

A.L.