quinta-feira, 31 de maio de 2012

As Brumas 'em' Avalon

Caio,

Suas cartas transbordam meus sentimentos. Sinto uma rufo de ar fresco e suave envolvendo-me e, num passe de mágica, a agitação se vai. Reecontro-me em tuas linhas. Mesmo essas linhas desalinhadas em que expressas o teu ser-ou-não-ser [ou será?]. Sendo ou não, lê-lo enche-me de entusiasmo. Sinto-me como criança que acaba de receber presente pelo correio. Rasgo o papel afoita, o corpo pulsa tão intensamente que locomovo-me aos pulinhos; saltitante rio e balanço as mãos agitada. É carta! É carta!

Sei que para ti esse tema do Luizir é recorrente. Li e reli essa história tantas vezes e, percebo que voltas a ela sempre que te sentes inquieto ou quando algo que gostarias muito que acontecesse não se realiza. Tua resposta às frustrações afetivas? Não sei, não poderia saber mesmo do alto dessa arrogância que me acomete vira-e-mexe. Mas sei que tive meu Luizir. Tive esse porto seguro para o qual corria nos momentos de desalinhado desalinho.

Era lá, para o colo daquele que chamarei Pietro, que corria. Deitava a cabeça e era acolhida enquanto as lágrimas rolavam. Embalava-me a mesma velha trilha sonora do R.E.M. Era meu Avalon ... Ia. Ia para os braços do amor não vivido. Ia [ou voltava] em busca do confortável ideal romântico da terra mágica onde seres míticos atualizavam. E nos braços longos me deixava repousar. Ele vivia em mim [Avalon vivia em mim], assim como por todos esses anos viveu em mim Pietro, o homem que abri mão, o homem que não pude assumir [será que ele algum dia quis que eu assumisse?].

Nunca permiti ouvir o que ele tinha a dizer, afinal, eu fora a responsável pelo amor não realizado ao escolher outro caminho num rompante impulsivo-dramático. Numa saída de efeito melodramática [e caótica]. E [sobre]vivi as últimas décadas lamentando e me apoiando nas memórias da estrada que não tomei. Algo Walt Whitman estava em mim, sempre e sempre a percorrer o caminho não escolhido em meio às Brumas...

O mais curioso, Caio, é que recentemente tive a oportunidade de numa dessas fugas temporais encontrar Pietro em carne-osso-músculos-unhas. Pietro estava mais velho, mas continuava lindo como em minha memória tão vívida. Pietro, recém divorciado, estava ali, bem diante de mim. E nos [re]encontramos. E nos vimos e [re]vimos: Nos olhamos! E saímos e rimos e quase choramos mais de uma vez.

Para numa noite qualquer revelar[se]: Pietro real, com mazelas e limitações tão humanas. Finalmente depois de duas décadas pude enxergá-lo, descer os lençóis idílicos que cobriam o ser que ele é. Ele é. Libertei-me das fugas para Avalon. Libertei-me do porto seguro, abandonei do passado para me entregar ao presente [presente].

As frustrações continuam vindo, nem menos, nem mais. E continuo a buscar o acolhimento, as mãos que segurarão as minhas, enquanto estas reciprocamente acolherão. Persisto no sonho, mas não me conjugo mais no passado, e, embora deseje, não me conjugo no futuro, nem no subjuntivo. No presente transbordo com tuas novas, com o frescor das tuas letras e isso é tudo [e suficiente]. E Pietro? Foi viver sua vida vivida.

Deixo-te agora em teu presente, sigo meu presente...rumo a nosso futuro,

Tua sempre,

Anita





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