sábado, 1 de janeiro de 2022

Carta a Nino

Nino,

Caminho carregando-te comigo.  Não era assim. Aos poucos sua ausência vai  corporificando ao meu lado. O ruído das ruas se mistura ao silêncio profundo em mim e vejo meus olhos percorrem as travessas a te procurar. 

Encontro-te nos parques, nos mercados, nos livros. Quero levar uma parte de ti na bagagem para devolver-te. Quero encontrar-te e te contar segredos e me dizer inteira. Quero dizer o que não digo. E ver tuas mãos deslizando meu corpo e teus dedos a contar minhas costelas. Quero sentir o cheiro dos teus olhos mergulhando nos meus como pêssegos maduros [mesmo que inseguros].

Sinto-te aqui, ali, acolá e na madrugada sinto visitar-me em sonhos. Sonolenta, recebo-te em minha alma, irrigo a terra escorrendo serena e continuamente. Envolvo-te com meus passos, abraço-te em cheiros doces.

Nino, menino lindo que envolve no sorriso do tamanho do Monte Pascoal. Sorriso da descoberta de um dia livre de suposições esdrúxulas, preso em dúvidas perenes sobre Ser ou não ser.

Nino, menino que não me pertence, mas a quem dei meus olhos e minha boca sem pudor ou receio.

Nino-te, nina-me. Somos adultos, podemos. 

Vem ser em mim, o que já sou em ti. 

Suportemos a leveza insustentável de sermos algo desconexos, algo fora das normas. 

Sejamos, eu e tu, apenas o que somos. Eu e tu. Aqui e agora. 

Hoje tua, aqui nua...

Anita Lopes

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Responda as Cartas de Anita