Agora é possível começar uma carta assim, te chamando de querido. Depois de tanto tempo longe foi possível digerir minhas mágoas e transformá-las em uma quase gratidão (o perdão é coisa difícil, quase uma obra de arte que demora a ficar pronta).
Escrevo para avisar que estou voltando uma volta temporária, pois volto pra casa com a certeza de que aí não é mais o meu lugar. Mesmo assim volto pra poder olhar nos seus olhos, pra poder tocar nas suas mãos, pra poder dizer que hoje em dia você nunca ter sido meu de verdade não me faz mais ter dores intensas. Volto pra casa sentindo o vento seco na minha pele tantas vezes úmida, em vão...
Andei por aí nesses últimos tempos. Ouvi o canto de vários pássaros, conheci a vegetação de quase todos os cantos, me habituei a alguns sotaques diferentes, atravessei fronteiras distantes, principalmente as minhas próprias.
A verdade é que não conseguiria permanecer por perto sabendo que eu nunca deixaria de ser amada pela metade, que vivíamos uma mera convenção da sua parte e pura fantasia da minha.
Parti com o coração partido e grata surpresa foi ir descobrindo aos poucos que eu era mais forte do que eu supunha, que o mundo era mais vasto do que eu poderia imaginar vivendo a vidinha de ser dedicadamente conformada em não ser a minha boca, o meu corpo, a minha alma o que você mais ardentemente desejava.
Desculpe-me não ter dito adeus – seria pedir muito a mim... Eu simplesmente não pude fazê-lo. Sair assim, sem domesticar meu impulso, sem me limitar pelos bons modos, sem fingir que estava tudo civilizadamente bem foi o primeiro passo para eu descobrir que tenho no fundo da alma algo de indomável que só pôde ser descoberto no misto da minha fúria e frustração.
Te digo que sim, um pouco de tudo o que eu senti ainda tem um gosto amargo, mas um pouco de amargura será necessário para seguir a vida que eu decidi seguir. Não me leve a mal se eu não tiver mais no rosto a expressão doce que eu costumava ter há alguns anos atrás...
Estarei aí em breve. Quero te ver. Quero te agradecer pessoalmente por ter me feito ir embora, por ter me permitido, a partir de suas descobertas, me descobrir também. Quero muito te ver e, em nome dos velhos tempos, compartilhar um segredo com você.
Um beijo,
C.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Responda as Cartas de Anita