Querido Caio,
Tanto tempo para responder teu jogo de palavras. Foi um jogo de palavras, não foi? Foi um jogo de amarelinha ou talvez as palavras estiveram cruzadas e entre cruzadas nos encontros e desencontros. [Prefiro os encontros].
Não quaisquer encontros. Mas aqueles que demoram a emergir. Aqueles que acontecem despretensiosos e vão se agigantando com o passar dos dias, dos meses, dos anos. Aqueles imprevisíveis a olho nu. Em que nada é nada e daí vai surgindo um brilho pequenino. Um sorriso. Um par de olhos [nos olhos].
Eu estava na frente do balcão. Estávamos: Eu e tu - lado a lado.
Diante de nós a filosofia. Filosofia, política, poesia e absinto combinam deliciosamente. O verde claríssimo vai fazendo dia nas ideias, transluz sentimentos. Acende aos poucos o calor de uns desejos singelos.
Encontro entretece o desejo que me acomete entre a janela e o balcão. E então minha poesia encontra tuas letras e teu jogo de palavras. És Caio ou somos? Quem somos, afinal? Idas e vindas, cartas sem fim, olhares, sorrisos, piscadelas, beijos arremessados ao vento, barulho de talheres, de copos, de fantasias proibidas, absinto... Sinto? Sentes?
Jogos, palavras... Há uma química no ar. Entre nós - Caio, Anita, Virgílio e quem... Nós entre nós. Enovelando a teia que nos tece. Virgílio por fim encontra seu lugar no tecido que tecemos e entretecemos: Coringa.
Sede. Minha boca deseja mais um gole de absinto. Sinto o verde intenso e úmido na boca seca. Aquece[dor]. Fogo sagrado desse lugar que nos abriga há cinco anos. Do lugar que nos aproximou até minha rendição à cidade. Amo esse lugar!
Olho para a carta. Percorro tudo o que escrevi. Quero te ler através da teia e das linhas finas que vimos tecendo, sem urgências e que agora urgem [para mim].
Olho longamente para o papel fino desta carta. Talvez seja o começo de algo, talvez seja a premeditação de um fim prematuro ou o salto no abismo. Dobro o papel lentamente. Sentindo cada dobra como parte da poesia escrita a quatro mãos. Posso ver os versos nas transparências do papel, no pretexto e nas entrelinhas.
Desdobro a dobradura e lá estão os versos. Vejo-os agora em todo lugar. Começo a sentir urgências e respiro. Dobro mais uma vez com cuidado o papel. Envelopo. Olho o envelope aberto longamente. Toco a ponta da língua úmida nas bordas. Fecho desejando abrir uma vez mais. Fecho com dedos trêmulos. Desejo abrir[me].
Envio esta carta ao tempo em que te deixo,
tua sempre
Anita Lopes
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