sábado, 3 de novembro de 2018

Carta Entretecida

Querido Caio,

Tanto tempo para responder teu jogo de palavras. Foi um jogo de palavras, não foi? Foi um jogo de amarelinha ou talvez as palavras estiveram cruzadas e entre cruzadas nos encontros e desencontros. [Prefiro os encontros].

Não quaisquer encontros. Mas aqueles que demoram a emergir. Aqueles que acontecem despretensiosos e vão se agigantando com o passar dos dias, dos meses, dos anos. Aqueles imprevisíveis a olho nu. Em que nada é nada e daí vai surgindo um brilho pequenino. Um sorriso. Um par de olhos [nos olhos].

Eu estava na frente do balcão. Estávamos: Eu e tu - lado a lado.
Diante de nós a filosofia. Filosofia, política, poesia e absinto combinam deliciosamente. O verde claríssimo vai fazendo dia nas ideias, transluz sentimentos.  Acende aos poucos o calor de uns desejos singelos.

Encontro entretece o desejo que me acomete entre a janela e o balcão. E então minha poesia encontra tuas letras e teu jogo de palavras. És Caio ou somos? Quem somos, afinal? Idas e vindas, cartas sem fim, olhares, sorrisos, piscadelas, beijos arremessados ao vento, barulho de talheres, de copos, de fantasias proibidas, absinto... Sinto? Sentes?

Jogos, palavras... Há uma química no ar. Entre nós - Caio, Anita, Virgílio e quem... Nós entre nós. Enovelando a teia que nos tece. Virgílio por fim encontra seu lugar no tecido que tecemos e entretecemos: Coringa.

Sede. Minha boca deseja mais um gole de absinto. Sinto o verde intenso e úmido na boca seca. Aquece[dor]. Fogo sagrado desse lugar que nos abriga há cinco anos. Do lugar que nos aproximou até minha rendição à cidade. Amo esse lugar!

Olho para a carta. Percorro tudo o que escrevi. Quero te ler através da teia e das linhas finas que vimos tecendo, sem urgências e que agora urgem [para mim].

Olho longamente para o papel fino desta carta. Talvez seja o começo de algo, talvez seja a premeditação de um fim prematuro ou o salto no abismo. Dobro o papel lentamente. Sentindo cada dobra como parte da poesia escrita a quatro mãos. Posso ver os versos nas transparências do papel, no pretexto e nas entrelinhas.

Desdobro a dobradura e lá estão os versos. Vejo-os agora em todo lugar. Começo a sentir urgências e respiro. Dobro mais uma vez com cuidado o papel. Envelopo. Olho o envelope aberto longamente. Toco a ponta da língua úmida nas bordas. Fecho desejando abrir uma vez mais. Fecho com dedos trêmulos. Desejo abrir[me].

Envio esta carta ao tempo em que te deixo,

tua sempre

Anita Lopes




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