terça-feira, 19 de julho de 2022

Caio, fim de sessão!

 Caio,


Caio diante de minhas circunstâncias. Caio aos pés das contradições que me compõem. Caio. Depois de tanto tempo, ainda caio. 

Pergunto-me vira-e-mexe por onde andarás tu,Caio Marques enquanto toco com as pontas dos dedos as marcas deixadas por ti. Cicatrizes? 

Eu me perdi ao te encontrar e me encontrei ao te perder. O que mais posso dizer depois de dois anos e dias de um isolamento compulsório seguido de meses de isolamento compulsivo. Já não sou mais quem fui, já nem sei quem sou e descobri essa estranha mania de me voltar para dentro, de permanecer na segurança dos muros, das paredes de pedra e a fruir a vida por uma lasca de céu no quintal, um vão da janela. Prisioneira de mim, sinto-me livre para viver intensamente minha própria companhia. 

O que me contas? Por onde andastes nesse tempo fora do tempo? Quem te tornastes? 

Eu de cá vi cair as máscaras de quem acreditava ser e vivo hoje com todas as minhas peles penduradas no varal. Despida completamente observo curiosa quem sou por debaixo da carapaça. Tão vulnerável e tão resistente. Tão rígida e tão incrivelmente malemolente. Finjo ser quem de fato sou ou sou quem nunca fui. Não sei. Confesso que não sei. 

Neste ano de 2022 nada sei a meu respeito, exceto que estou viva e silenciosamente observo o mundo a meu redor para além dos muros, para além das paisagens da janela, miro o infinito e é tão particular, tão profundo quanto a cova rasa que nos espera. Espero.

E a espera é algo novo por aqui. Se bem te lembras, eu sigo. Ao seguir, eu fujo. Fujo ligeira, fujo escondida entre véus e fumaça. Desapareço, deixando pedaços de mim pelo caminho. Então, me disponho à espera, à permanência. Coloco-me aqui sem casca, sem muros, sem proteção à espera. Olho para a tela vazia, deslizo meus dedos sobre o papel em branco... Lá estou eu, um ponto no meio do vazio criador, pronta para me recriar, pronta para me tornar quem sou. 

Nunca fui tua, agora vejo. Tu és meu. 

Não imagino como estás, nem quem és agora. Cabe a mim te recriar, te dar um destino. Da minha cabeça tu nascestes e é ela que agora te coloca no lugar de ouvinte silencioso. Como um psicanalista sentado na poltrona no canto da sala, com seus óculos de aros escuros, com seu cachimbo na boca, um bloco, uma caneta, pernas cruzadas e grisalhos cabelos em desalinho. Seu lugar [agora] é este. O observador de mim. Nada de opiniões ou comentários, nada de afetos, apenas o respeitoso silêncio observador. 

E assim, tomo as rédeas da história e coloco-te em teu lugar.

Finalizo ciclos, finalizo estórias, concluo projetos, percursos, passados. Estou às voltas com o ponto [final].


Anita Lopes