Oi Caio,
Sou uma autora em recuperação, a cada 24 horas sem viver ficção. Só por hoje vou escrever crônicas, notícias, pareceres ou notas técnicas. Fazer relatórios de atividades, bilhetes, cartas para analfabetos crônicos ou funcionais.
Eu crio histórias. Sou autora de tantas histórias, engendro personagens cada vez que abro o armário ou vagueio pelas ruas de pedra da cidade. De modo incomum talho histórias e são tantas que mal sei distingui-las. Seria eu a autora por quem as personagens da peça de Pirandello buscam?
Preciso Ser diante de você. Não poderia deixar de revelar [me]. Sou tragada pelos amores improváveis, pelas histórias impossíveis, pelo romantismo comme il faut. Minha autoria é errante como a própria vida deixada pelo caminho.
A autoficção me atravessou esses dias com cores primárias. O vermelho intenso desnudou-me a intensidade com que crio. Sou autora de personagens algo indisponíveis, frequentemente indispostos à entrega. Perdidos, confusos e adictos compõem a minha prateleira e sempre que uma nova história nasce em mim, lanço mão de um desses tipos para compor a jornada de todas as impossibilidades. Os semelhantes se atraem afinal [biofic?]
Há dois meses e dias abri a gaveta, saquei papel e lápis. Afiei a ponta e nutri mais uma história. Juntei pedaços espalhados ao longo da estrada, costurei partes [des]conectadas pelos anos, disposta que estava a escrever algo realmente novo. Lancei mão de afetos profundos, constituídos ao longo da década, escolhi um novo caracter, acendi meus olhos como uma criança num parque à noitinha diante das luzes.
No fundo a gente nasce para o que é, como diriam as cegas que tudo vêem. Logo percebi que o novo era tão indisponível quanto quaisquer outros personagens já criados por mim. Estava tão disposto e ainda assim em muitas dimensões indisponível. Recaí.
Os romances impossíveis são minha assinatura, quase se fundem com quem sou [estou?]. Vício. Adicção. Talvez seja eu a adicta. Enlaces, romances, histórias minhas drogas de predileção. O coração é um autor solitário parado diante do teclado de letras coloridas, à espreita de uma nova história [mal acabada]. Mais 24 horas. Só por hoje não contarei histórias, não criarei, olharei o cotidiano e nele verei a poesia. Só por hoje escreverei uma crônica dos afetos reais.
sempre tua e agora nua,
Anita Lopes