Se me dizes que te acolho é que a mão que acolhe é também acolhida. Assim como aquele que abraça é abraçado. Se és inconstante, que dirás de mim, com esse nomadismo hereditário? Minha impermanência vem do permanente desejo de mudança, dessa frequente necessidade de transitar pelas paisagens do mundo e conhecer pessoas. Sinto-me às vezes uma personagem de Süsskind, desejando aspirar todos odores daqueles que conheço e [re]encontro.
Sei que para ti posso confessar esse desejo intenso de gente, de ouvir e de saborear os gostos agri-doces, as particularidades. Por isso estive pra lá do fim do mundo dia desses e minha vida começou ali. [Re]encontrei-me com a ancestralidade e minhas origens tocavam alto e forte. Na batida dos pés, no som do triangulo e dos tambores vi-me completamente em êxtase. O ritmo percorria meu corpo como corrente elétrica ligando tudo em 220v estrela. Tombei de amor por minha terra e por minha gente, mesmo sabendo que tenho outras raízes, em outros lugares e que minhas ancestralidades são nômades desde o século XIII.
Pela primeira vez tive a certeza que sou de todos os lugares, pertenço a nenhum. Estou enraizada em mim e nos afetos conquistados, nas memórias, nas sementes lançadas no solo amorosamente. Sou nômade, entre tantas outras qualificações, e já não posso me esquivar desse destino. Olho a tarde cair por detrás do jardim que convencionei chamar de meu e que teima em estar defronte da janela do quarto em que durmo quando estou por aqui. Será esse o meu lugar? Ou será apenas o lugar seguro para onde voltar?
Acompanha-me nesse momento um tinto honestíssimo, quem sabe um dia, encontro alguém que comigo compartilhe as estradas, os caminhos e os percursos de [vi]ver gente?
No mais, fica com minhas sentimentalidades neste fim de tarde quase primaveril.
Sua sempre,
Anita Lopes