sábado, 21 de setembro de 2013

Do Acolhimento e Outras coisas

Querido Caio,


Se me dizes que te acolho é que a mão que acolhe é também acolhida. Assim como aquele que abraça é abraçado. Se és inconstante, que dirás de mim, com esse nomadismo hereditário? Minha impermanência vem do permanente desejo de mudança, dessa frequente necessidade de transitar pelas paisagens do mundo e conhecer pessoas. Sinto-me às  vezes uma personagem de Süsskind, desejando aspirar todos odores daqueles que conheço e [re]encontro. 

Sei que para ti posso confessar esse desejo intenso de gente, de ouvir e de saborear os gostos agri-doces, as particularidades. Por isso estive pra lá do fim do mundo dia desses e minha vida começou ali. [Re]encontrei-me com a ancestralidade e minhas origens tocavam alto e forte. Na batida dos pés, no som do triangulo e dos tambores vi-me completamente em êxtase. O ritmo percorria meu corpo como corrente elétrica ligando tudo em 220v estrela. Tombei de amor por minha terra e por minha gente, mesmo sabendo que tenho outras raízes, em outros lugares e que minhas ancestralidades são nômades desde o século XIII. 

Pela primeira vez tive a certeza que sou de todos os lugares, pertenço a nenhum. Estou enraizada em mim e nos afetos conquistados, nas memórias, nas sementes lançadas no solo amorosamente. Sou nômade, entre tantas outras qualificações, e já não posso me esquivar desse destino. Olho a tarde cair por detrás do jardim que convencionei chamar de meu e que teima em estar defronte da janela do quarto em que durmo quando estou por aqui. Será esse o meu lugar? Ou será apenas o lugar seguro para onde voltar?

Acompanha-me nesse momento um tinto honestíssimo, quem sabe um dia, encontro alguém que comigo compartilhe as estradas, os caminhos e os percursos de [vi]ver gente?

No mais, fica com minhas sentimentalidades neste fim de tarde quase primaveril. 

Sua sempre, 

Anita Lopes

segunda-feira, 13 de maio de 2013

sem hierarquias, por favor!

assim te respondo, caioMARques

sinto que assim nos encontramos. a carta sobre Alfonsina finalmente encontrou resposta. custou, mas te encontrei sereno. sereno como não fomos até aqui e curiosamente é com a mesma serenidade que busco palavras para dizer que nunca estive tão feliz. se olharmos em volta, são cartas e cartas para lá e para cá que não se encontram.  morro de sono, os olhos fecham, quase desmaio. mas insisto, quero te escrever. quero escrever, nem que seja para falar da formiga que subia pela tua perna esquerda [era um formiga afinal?]. quero te escrever para falar da música que toca ao longe, do mar de cores que desmaiam nesse fim de tarde por aqui. quero te escrever para dizer o que indizível. para compartilhar algo que não sei de onde vem, mas que de súbito tomou conta de mim como um sopro de vida, e assim, de barro me fiz mulher. não me pergunte [ou pergunte] sobre como isso aconteceu. digo apenas que eu sentia que aconteceria e à medida que os dias iam passando tudo em volta sinalizava que o sopro divino estava próximo. não que o barro fosse nada. o barro era muito e pleno em suas formas delicadas e rústicas. mas a hora é de fazer [me] mulher e abraçar a vida e caminhar sobre as águas tranquilamente observando as ondas sutis que cada passo propaga.

querido amigo, jamais imaginei nem em sonhos oníricos poder caminhar sobre as águas, atravessar o oceano e descobrir as minhas partes deixadas ao longo dos séculos pelo caminho. percorro de volta a estrada que me trouxe, certa de que a volta é um novo e esplêndido caminho.

deixo-te agora sem hierarquias [estou farta de hierarquias!]

sempre tua,

A.L.