sábado, 1 de janeiro de 2022

Carta para Maria




Tanto tempo sem notícias. Parti. Sinto muito por tê-la abandonado desta forma, sem informe. Os últimos dois anos te deixei por mim, te deixei por ti. Soube, ao vê-la em sua saudade [que também é minha] que precisava me recolher para que você gestasse e parisse teus quereres e teus fazeres num mundo em profundas transformações. 

Não foi com tristeza que me afastei de ti, de Caio e de nossas tessituras epistolares. Foi com serenidade que o fiz. Precisava  - depois de tantos anos - descansar meus desejos intensos, rápidos e fugidios. Precisava silenciar Vênus em Áries e dar lugar a Saturno, o senhor do que é, como é, enquanto você despertava do seu sono eterno. 

Aquela Vênus que me acompanha desde o berço me fez tão intensa em invencionices, me fez quase impostora em amores cazuzianos. O fervor das estórias que criei me encheram de alegria, prazer e dor na mesma medida. Tantas [des]ilusões. Tanta aflição e lonjuras. E tu, Maria, serena observava desde um canto de parede minha loucura com coração aquietado pelas distâncias. 

Tuas distâncias, mulher, te protegeram dos amores insanos que inventei, mas acredite... Também escreveram teu epitáfio, te afastaram do amor, da paixão, da vida vivida te recolhendo às linhas das teorias estudadas às quais te dedicou por tanto tempo silenciosamente. Teus muros foram construídos em livros. Tese por cima de tese criaram a Maria sozinha dividida entre solitude e solidão. Protegeram e criaram dor. 

Sim! Eu confesso que nossa dor [sim, nossa!] - a inventada e a real -  me levou a extremos [como a ti no extremo oposto] e com o passar do tempo a pujança se transformou num voo rasante de carcará sobre os largos campos áridos e esvaziados que não saciava minha fome, nem preenchia teus vazios. 

Precisávamos, acredite, deste tempo distanciadas para finalmente nos reaproximarmos, cautelosas e sem máscaras. Já não preciso fingir amores impossíveis, enquanto tu podes - pouco a pouco - deixar cair as máscaras e abrir portas e janelas para que novos ventos te atravessem e tragam a suavidade das brisas de fim de tarde - hora nostálgica de la Rambla

Teus desejos, mulher, são travessia. Atravessa. Atraversiamo. Estou aqui, bem diante de ti, despida de ficção e poesia para cantar contigo e escoar plena nossos quereres.  Sei, somos contradição e completude. Somos liberdade e controvérsia. Somos tantas em nós. Somos, apenas, mulher no plural diversas e una. 

Por isso, cá estou, despida diante do espelho, sangrando, real e ficção na unidade do Ser. Íntegra e nossas contradições. Eu, reconvexo,  real. Dançando minhas loucuras, nossas lonjuras, plena de encontros e despedidas. Sou isso e também somos profundezas e grandezas que desconhecemos. 

Então, seguimos em nossa permanência aconchegadas no ninho sendo passarinho. Voemos! 

Sempre tua, 

Anita Lopes








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